Carla Carvalho começou cedo a destacar-se no meio escolar e hoje mestre percorre um caminho sólido a caminho do doutoramento. Feminista e optimista assumida, está entre os quatro jovens seleccionados a participar no programa YALI.
Aos 10 anos, nos anos 90, já se sentia à frente do seu tempo ao ser uma das únicas meninas da escola a vestir calças. Carla Carvalho é natural do concelho de São Miguel, ilha de Santiago, e cresceu com os avós e mais tarde com tias na Praia.
Quando terminou o ensino secundário, Carla aventurou-se e partiu rumo à China para dar continuidade aos seus estudos. Porém o amor falou mais alto e, passado pouco tempo, regressou a Cabo Verde. Casou-se aos 19 anos e mais ou menos um ano depois foi mãe pela primeira vez.
Após uma pausa de dois anos em que esteve cem por cento dedicada à família, Carla retomou os estudos aos 21 anos inscrevendo-se na Universidade Jean Piaget. Licenciou-se em 2005 em Sociologia. “Quando defendi a monografia do bacharel destaquei-me como uma das melhores alunas e fui convidada para ser, no 4º ano, aquilo que na universidade chamavam de monitora”, conta.
Carla não quis perder mais tempo e logo a seguir inscreveu-se no mestrado em Ciências Sociais na Universidade de Cabo Verde. Em 2009, altura em que teve que fazer a dissertação, começou a interessar-se pelas questões de género. “Foquei-me no trabalho no meio rural na perspectiva de género, mais precisamente nas mulheres que fazem o grogue”, explica.
Os desafios multiplicavam-se e Carla recebeu então um convite da universidade pública para leccionar e ser coordenadora dos cursos de Relações Públicas e Secretariado Executivo.
Diz que quando envolve-se num projecto tenta sempre destacar-se pela positiva. Desde Março último que exerce o cargo de presidente da ‘Escola de Negócios e Governação’ da Uni-CV embora totalize já cinco anos com a equipa.
Carla considera que a sua liderança tem-se materializado “mais ao nível da universidade e do meio académico” mas já integrou também a lista das eleições autárquicas para o concelho de São Miguel e criou, com um grupo de quadros do concelho, um ‘Fórum Pensar para Desenvolver São Miguel’.
“Considero-me uma feminista que defende o equilíbrio e a igualdade”
As questões de género têm estado bem presentes na vida de Carla. Já trabalhou de perto com o ICIEG - Instituto Cabo-verdiano para Igualdade e Equidade do Género – mas também colabora com o ‘Centro de Investigação e Formação em Género e Família’ da Uni-CV.
“Quando conhece-se os dados e a realidade, vê-se que de facto existem diferenças. Muitas pessoas quando pensam em género pensam logo em mulher e que é para defender a mulher. Mas não. Quando desagrega-se os dados por sexo vê-se as diferenças que prejudicam o desenvolvimento tanto da mulher como do homem.”
Carla considera-se sim uma feminista que defende acima de tudo a igualdade. Na última revisão curricular, Carla propôs a introdução das questões de género enquanto módulo em algumas disciplinas nas universidades.
“Eu candidatei-me para o programa YALI pela defesa das questões de género que faço dentro da Universidade”, explica.
“Não sou uma desistente”
Carla “não estava confiante” quando decidiu concorrer para o Programa Jovens Líderes Africanos (YALI). “Ainda assim pensei que o trabalho que tenho feito no sentido de se introduzir as questões de género nas universidades pudesse ter interesse”.
Preencheu a candidatura aos poucos e só a submeteu no último dia do prazo. “Pensei que não tinha nada a perder e lutei pelo sim!”.
Carla esteve cerca de mês e meio à espera até a primeira pré-selecção. Ficou entre os 20 escolhidos para a entrevista e quando menos esperava recebeu a notícia de que estava entre os quatro jovens seleccionados para integrar o programa.
“Acho que viram no meu percurso uma pessoa que luta para alcançar os seus objectivos e sonhos apesar de todas as dificuldades. Não sou uma desistente. Quando acredita-se tudo é possível.”
Reconhece num líder a capacidade de influenciar os outros e acima de tudo a disponibilidade para servir os outros. “Considero-me uma pessoa muito compreensiva e sempre disponível para ouvir os outros.”
De entre os três níveis de liderança que tinha à escolha, Carla optou pela Gestão Pública. “Nos EUA vou para uma Universidade onde estão muito centrados na liderança feminina na gestão pública. Vou passar 6 semanas debatendo essas questões. É mesmo a área em que trabalho.” Durante esse período cada um dos quatro jovens cabo-verdianos irão ficar numa universidade diferente e na fase final encontrar-se-ão em Washington para a esperada cimeira com o Presidente Barack Obama.
“Acho que o que nos destaca é acreditarmos e sermos humildes e querermos fazer algo em prol do outro. E não negamos trabalho. Às vezes pode ser cansativo mas o sentimento de entrega e de partilha porque se quer que também o outro desenvolva é bom ... O sentimento do não- egoísmo.”
“Obama tem uma atitude de coragem, compromisso e humildade”
Carla Carvalho tem três grandes objetivos com esta viagem aos EUA. O primeiro é desde logo “aprender ao máximo”. Mas quer também partilhar experiências com outros africanos que também foram seleccionados para o YALI. “Estou muito interessada em saber o que estão a fazer, o que estão a discutir, os seus problemas. Quando fala-se em África pensa-se que é tudo homogéneo mas cada país tem a sua experiência”.
O terceiro objectivo, como não podia deixar de ser, é chegar até Barack Obama. Primeiramente ouvi-lo e quem sabe, se se proporcionar, falar com ele.
“A história de Obama é inspiradora. Só pelo facto de um homem negro conseguir, em tão pouco tempo, a trajetória que ele conseguiu. Com a sua atitude de ‘Sim, eu posso’, lutou para poder. Lá no fundo acho que tenho um pouquinho dessa atitude que se traduz em coragem, compromisso e humildade.”
O doutoramento é o passo seguinte
Carla Carvalho já sabe o que quer para a fase pós - YALI. “Quero continuar o meu trabalho nas universidades mas também na comunidade e acima de tudo mostrar às pessoas que com uma trajectória de esforço consegue-se mudar. O facto de se ser jovem não significa que não se possa ser líder e influenciar o desenvolvimento de um país.”
Com 34 anos e três filhos, Carla conta que está já matriculada no doutoramento que será em “Estudos de Desenvolvimento” no ISEG em Lisboa, Portugal. Um pós-doutoramento faz também parte dos seus planos para o futuro.
@Cláudia Marques
23.06.2014